quinta-feira, 21 de abril de 2016

Linda, realizada e do lar

Um dos vários assuntos efervescentes da semana foi uma publicação da revista Veja a respeito da Sra. Marcela Temer (http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/bela-recatada-e-do-lar).
A revista em si, sempre foi bastante duvidosa quanto ao conteúdo e, na minha humilde opinião, a reportagem em questão parecia mais ter saído da revista Caras. Nada contra a Caras, mas em geral seu conteúdo traz amenidades e até futilidades do mundo dos famosos. A mim foi assim que a reportagem pareceu.
Fora esse desconforto, não tinha realmente pensado em mais nada quando os comentários no mundo virtual chamaram a minha atenção.
Militantes do movimento feminista afirmavam que a reportagem queria passar a ideia de um estereótipo de mulher ideal, que no caso, era a da mulher que não opta por uma vida pública e busca se devotar à família, segundo seus valores.
Não posso negar que essa é uma leitura possível, assim como tudo que é produzido de forma a exaltar o que se admira.
Note que a reportagem é assinada por uma mulher.
O que não consigo ler é uma tentativa de pintar esse modelo que está sendo exaltado na revista como o da mulher submissa, dominada pelo machismo, limitada em sua felicidade e capacidade de realização.
Mas é justamente sob essa leitura que começaram os protestos em relação à reportagem. Não precisa procurar muito na net para ver provas disso.
As feministas provavelmente dirão que eu não vejo isso porque sou homem e, além disso, fruto de um sistema opressor machista. Pode ser, mas será que essa leitura também não é fruto de um antagonismo que busca ver isso em tudo? Vale refletir.
Penso isso justamente por conta do que vi no tratamento das próprias mulheres sobre o assunto.
Se alguma se posicionava de forma diferente daquelas que julgavam a matéria como um retrocesso no campo de reivindicações do feminismo, era tachada de “tonta”, “alienada” e “escrava do machismo”. Pessoal, isso está aí nos registros da Internet, principalmente nas “brigas de comentários”, onde as pessoas assumem que a Internet é uma arena de gladiadores.
Pouco depois os discursos mudaram um pouco, dizendo que não estavam julgando quem opta por brilhar de forma diferente, que se realize na família, e sim pela tentativa da reportagem de colocar isso como padrão ideal para a sociedade, o que seria uma opressão machista.
Como eu disse, essa é sim uma leitura possível, mas tanto quanto uma reportagem exaltando a vida de integrantes de uma banda de rock exalta essa condição. Acredito que as pessoas não se sentem compelidas a levar o mesmo estilo de vida.
“Ah, mas esse não é um assunto qualquer, é uma das pautas de luta das feministas.  Uma área em que muitas mulheres sempre foram subjugadas e por isso é um ponto nevrálgico que não poderia ser tratado dessa forma”, dizem algumas militantes.
Olha, não dá realmente para afirmar que a intenção foi realmente essa, que existe um plano malévolo de subjugação das mulheres (principalmente porque o marido da moça da reportagem, sendo vice presidente, está sendo um dos mais ferozes opositores da Presidente da República, que é vista como modelo no movimento feminista). Podemos suspeitar disso, mas não afirmar.
Nos últimos comentários que acompanhei, diziam que defendem o direito da mulher ser o que quiser, inclusive “recatada e do lar”, como diz a revista. Será? 
De qualquer forma, resolvi escrever sobre isso por dois motivos: 1 - por constatar que há opressão de mulheres sobre mulheres quando estão defendendo a bandeira do respeito à mulher. 2 - porque vi muitas vezes comentários como os que citei acima, ou pelo menos olhares desdenhosos para com a minha esposa, que busca realização sendo “do lar”, centro ao redor do qual orbita nossa família.
Muitas vezes registrei como esse tipo de reação magoou minha esposa, pois para quem não pensa como ela, ela é só mais uma “tonta”. Aliás, depreende-se disso que eu seja o “macho opressor” rsrsrs.
O interessante é que começou a “chover” fotos de mulheres na Internet que buscavam fazer o contraponto do “linda, recatada e do lar”.
Vi muitas das fotos. Algumas realmente muito interessantes, mas vi algumas em que as mulheres estavam ostentando bebidas, cigarros, seus corpos nús e em atitudes provocantes. Elas tem total direito a isso, não critico esse ponto de forma alguma. Não sou puritano, apenas busco refletir sobre o conceito de liberdade. Será que isso é ser livre, liberada e dona de si mesma? Calma, essa reflexão vale para os homens também. Será que isso é ser livre, liberado e dono de si mesmo?
Será que não estamos, como já li de um pensador, nos enganando sobre eliminar os preconceitos? Ele dizia que quebrar um preconceito não quer dizer acabar necessariamente com a cultura do preconceito, mas muitas vezes inculcar outro. Seja como for, já que é pra tomar partido, tomo o da minha esposa, em torno da qual orbito.
Linda, realizada e do lar.

Neste ponto, eu preciso fazer um comentário a título de esclarecimento: Segundo consta, eu não posso me atribuir o título de feminista, mas posso afirmar que sou um apoiador da causa feminista. Não tenho nenhuma intenção de desmerecer o movimento, como muita gente diz quando vê alguma crítica com relação a qualquer movimento. Estou analisando dois pontos muito claros e que poderiam servir para qualquer movimento: 1 - A forma como tratam aqueles que dizem proteger e 2 - a motivação intrínseca de fazer parte de um movimento (liberdade ou imposição da sua verdade?). O objetivo aqui é contribuir com reflexões que ampliem a efetividade de nossas ações (sim, de todos nós).

4 comentários:

  1. Acho que você não está entendendo bem o que nós queremos com o movimento.
    Expliquemos.
    Minha mãe é dona de casa, mudou até de cidade e estado para casar-se com meu pai. Eu acho que ela é feliz assim. Mas ela é feliz assim porque escolheu casar-se, escolheu sair do trabalho, escolheu mudar-se para se casar. Eu não consigo me ver feliz assim, até porque sou arromântica e veria num casamento, fosse com quem fosse, uma verdadeira farsa. Mas nem minha mãe acha que eu estou fazendo algo de errado nem eu a considero menos dona de si por causa disso. O problema é quando a revista Veja vem e fala que Temer é um "homem de sorte" numa matéria sobre sua mulher, como se ela fosse o ideal de mulher a se ser alcançado. "Bela, recatada e do lar", que faz de seu marido um "homem de sorte". Nesse padrão nem minha mãe se encaixa, porque ela não é bem uma pessoa muito "do lar", mesmo não trabalhando fora, e nem se preocupa muito com sua aparência (problema nenhum com quem se preocupa!).
    Ao frisar justamente essas características ao elogiar Marcela (a culpa não é dela e sim da revista), excluem-se outros modelos de mulher que existem, principalmente o da mulher que prefere dedicar-se a sua carreira a constituir família e o da mulher pobre que nem querendo poderia ser "do lar".
    Não é que a Veja tenha algum plano maquiavélico de nos devolver ao século XVII, mas ela é tão extremamente conservadora que não consegue abrir os próprios olhos para o fato de que esse não é mais o único modelo de mulher que se deseja ser.
    E bom, se essas pessoas estão felizes festando e bebendo, eu não sei. Mas talvez a pergunta mais pertinente de verdade seja outra: desde quando elas podem /escolher/ festar e beber, com as consequências disso e tudo? A imposição do modelo "bela, recatada e do lar" privou-nos da escolha por séculos. E falo especificamente da escolha mesmo, porque detesto festas e álcool, mas provavelmente detestaria mais ainda a situação de não poder festar ou beber mesmo querendo. Se iremos nos arrepender disso mais tarde não é o foco desses protestos. Caso isso aconteça, bom, pelo menos ficamos sabendo. Melhor que nunca ter nem tido a oportunidade de tentar.

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    Respostas
    1. Olá May!
      Em primeiro lugar, desculpe o delay... eu não tenho ainda essa prática toda por aqui.
      Em segundo lugar, gostaria de agradecer de verdade por você ter investido seu tempo lendo o que escrevi e opinando. Fiquei contente mesmo. Obrigado!
      Posso não ter entendido mesmo o movimento, não me coloco como dono da verdade nesse ponto, mas gostaria de frisar alguns pontos.
      O meu entendimento é que não há necessariamente essa mensagem de padrão embora eu possa concordar que há claramente uma admiração expressa pela pessoa que produziu a matéria.
      Como eu disse, vejo que isso acaba acontecendo em vários momentos, como citei no caso de uma matéria de uma banda de rock, por exemplo. Para ser mais claro, vou colocar aqui algumas capas com conteúdos que teoricamente, exaltam padrões opostos, da mesma revista:
      https://ehtipointernet.files.wordpress.com/2011/11/veja-fina-estampa.jpg
      http://2.bp.blogspot.com/_UL5gef6g4hI/TLACXaY-85I/AAAAAAAAFb0/o7Q3UZ9XV9U/s400/dfvq.jpg
      http://static1.purepeople.com.br/articles/6/39/46/@/32025-daniela-mercury-e-sua-mulher-malu-950x0-1.jpg
      http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/211205/imagens/capa380.jpg
      Seria muita falta de bom senso ter posições tão contraditórias.
      Que fique claro, que não tenho intenção nenhuma de defender a revista, abri a postagem deixando claro minha visão sobre a mesma, apenas comentei que não enxergava como uma imposição de padrão, mas isso é algo que, como eu disse, não dá pra ter certeza nem de um lado e nem do outro.
      Como eu explicitei no final, minha reflexão é mais em torno do ponto sobre como algumas mulheres acabam se tratando quando pensam diferente umas das outras, dizendo defender os interesses delas.
      Isso não ocorre só com mulheres e o feminismo, claro, mas eu frisei no texto que qualquer movimento social que faça assim me dá uma impressão de estar sendo contraproducente.
      A mensagem que busquei passar aqui é: Vamos deixar de brigar para que em união possamos lutar pelo interesse de todas, acolhendo todas as que são alvo de nossa luta. Foi por isso que citei o caso da minha esposa, que muitas vezes se sente oprimida no que tange à visão de quem não concorda com a escolha de se realizar na família. São casos muito reais, assim como é real a hostilidade que pude registrar também no mundo virtual quando a malfadada reportagem saiu.
      Sobre o segundo ponto da reflexão, o da liberdade, concordo plenamente com você a respeito de essa possibilidade de escolha ter sempre sido negada às mulheres e aplaudo a possibilidade cada vez maior de escolha. O questionamento aqui foi se, buscando ser livre, não podemos nos escravizar a outros padrões. Só isso. E ainda disse que o questionamento é válido, no meu entender, para homens, mulheres, seres humanos.
      Para corroborar o meu ponto, vou colocar aqui um artigo fantástico que fala exatamente disso: http://azmina.com.br/2015/09/como-a-liberdade-sexual-me-levou-ao-abuso
      Concordo com você que se nessa busca as pessoas se arrependerem, vão acabar buscando novos paradigmas, mas será que não poderíamos evitar alguns sofrimentos no caminho? Esse artigo é bem emblemático nesse sentido.
      Bom, acho que é isso.
      Mais uma vez, obrigado por querer trocar.

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  2. Acho que você não está entendendo bem o que nós queremos com o movimento.
    Expliquemos.
    Minha mãe é dona de casa, mudou até de cidade e estado para casar-se com meu pai. Eu acho que ela é feliz assim. Mas ela é feliz assim porque escolheu casar-se, escolheu sair do trabalho, escolheu mudar-se para se casar. Eu não consigo me ver feliz assim, até porque sou arromântica e veria num casamento, fosse com quem fosse, uma verdadeira farsa. Mas nem minha mãe acha que eu estou fazendo algo de errado nem eu a considero menos dona de si por causa disso. O problema é quando a revista Veja vem e fala que Temer é um "homem de sorte" numa matéria sobre sua mulher, como se ela fosse o ideal de mulher a se ser alcançado. "Bela, recatada e do lar", que faz de seu marido um "homem de sorte". Nesse padrão nem minha mãe se encaixa, porque ela não é bem uma pessoa muito "do lar", mesmo não trabalhando fora, e nem se preocupa muito com sua aparência (problema nenhum com quem se preocupa!).
    Ao frisar justamente essas características ao elogiar Marcela (a culpa não é dela e sim da revista), excluem-se outros modelos de mulher que existem, principalmente o da mulher que prefere dedicar-se a sua carreira a constituir família e o da mulher pobre que nem querendo poderia ser "do lar".
    Não é que a Veja tenha algum plano maquiavélico de nos devolver ao século XVII, mas ela é tão extremamente conservadora que não consegue abrir os próprios olhos para o fato de que esse não é mais o único modelo de mulher que se deseja ser.
    E bom, se essas pessoas estão felizes festando e bebendo, eu não sei. Mas talvez a pergunta mais pertinente de verdade seja outra: desde quando elas podem /escolher/ festar e beber, com as consequências disso e tudo? A imposição do modelo "bela, recatada e do lar" privou-nos da escolha por séculos. E falo especificamente da escolha mesmo, porque detesto festas e álcool, mas provavelmente detestaria mais ainda a situação de não poder festar ou beber mesmo querendo. Se iremos nos arrepender disso mais tarde não é o foco desses protestos. Caso isso aconteça, bom, pelo menos ficamos sabendo. Melhor que nunca ter nem tido a oportunidade de tentar.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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